Como desenvolver uma carreira Tech For Good

Juliette Beaudet
9 min readSep 22, 2021

Um mapeamento das oportunidades com propósito socioambiental para pessoas desenvolvedoras

Oi todes!

Hoje, pretendo apresentar um tema que, além de ser particularmente querido, carrega uma importância extrema para os dois ecossistemas profissionais dentro dos quais estou inserida. Estou falando dos profissionais de tecnologia e das empresas com impacto socioambiental.

Se você for ou representar um desses dois grupos, siga a leitura!

Estrutura do artigo

I — Contexto

II — O problema: descasamento entre devs e empresas socioambientais

III — Resposta: ferramentas para devs

III.1. Entender o ecossistema de empresas de impacto

III.2. Mapeamento das oportunidades em negócios de impacto

IV — Convites para ambas partes

V — Fontes

Um pouco de contexto

Recentemente, tive duas oportunidades de palestrar sobre o tema “Como desenvolver a carreira tecnológica nas iniciativas socioambientais”, cujo objetivo era ajudar mais pessoas desenvolvedoras a trabalharem com propósito socioambiental. A primeira foi na The Developer’s Conference, convidada pela patrocinadora Trybe, e a segunda durante a semana de carreira da Wagon Brasil.

O tema, confesso, é particularmente adaptado ao meu percurso. De um lado, atuei como uma empreendedora de impacto, como COO e co-fundadora da startup cultural daleGig. Do outro, virei desenvolvedora de software e resolvi colocar minha competência tecnológica à serviço de iniciativas do bem (como a JOGL, rede social internacional de colaboração científica, e o mindDay, aplicativo de bem-estar mental).

Ao fazer essas duas palestras, percebi que os problemas de conexão entre devs e empresas de impacto eram ainda mais profundos do que eu imaginava e, diante deste diagnóstico, encontrei uma grande motivação para servir de ponte entre esses dois mundos.

Meu objetivo aqui é propor algumas ferramentas simples para esse contato acontecer!

O desafio enfrentado: descasamento entre devs e empresas socioambientais

Antes de aportar uma solução, precisamos entender precisamente qual o problema inicial.

Eis o resumo da situação: infelizmente existe um desencontro entre as pessoas desenvolvedoras (que gostariam de trabalhar com propósito socioambiental) e as empresas de tecnologia com impacto (que procuram recrutá-las).

Vamos entrar nos detalhes:

Situação das pessoas desenvolvedoras

Do lado das pessoas desenvolvedoras, encontrei que existe, sim, um desejo de trabalhar para um impacto maior do que si mesmo. Isso, segundo numerosas conversas que tive com outros e outras jovens profissionais da área.

Também agrupei dados que apontam que a falta de informação constitui uma barreira importante na hora de realmente procurar desenvolver uma carreira tecnológica focada no impacto.

Dados acumulados via pesquisas live nas palestras e mentorias individuais

Primeiro, observei que uma proporção baixa de pessoas desenvolvedoras realmente tiveram contato com o ecossistema de empresas de impacto. Faz sentido: no LinkedIn e outras redes, as empresas “tradicionais” são mais numerosas e recebem uma maior visibilidade. Por esse motivo, é mais comum receber ofertas ou acompanhar oportunidades nelas, o que acaba distorcendo a percepção dos profissionais procurando vagas. Por exemplo, converso regularmente com pessoas desenvolvedoras imaginando que trabalhar com propósito socioambiental seria necessariamente sinônimo de ter experiências extracurriculares de voluntariado, bem longe de uma opção financeiramente viável de construção de carreira. Essas experiências também podem ser interessantes, mas se trata de um entendimento limitado da real riqueza do ecossistema de impacto.

Segundo, falta saber por onde encontrar as famosas empresas de impacto e as vagas que elas publicam.

Situação das empresas sociais e ambientais

Do lado dos negócios de impacto socioambiental, é simples: como qualquer empresa, encontram atualmente uma grande dificuldade para recrutar talentos tecnológicos. O mercado brasileiro (e mundial) vive uma verdadeira escassez desses profissionais, dado o desequilíbrio entre a demanda gigante dessas competências e a atual oferta. Pesquisas como a Formação Educacional e Empregabilidade em TIC da Brasscom destacam que até 2024, 260.000 vagas de tecnologia não serão preenchidas.

Pesquisa do Brasscom

Dada a urgência e importância dos desafios da humanidade que as empresas socioambientais procuram resolver, minha opinião é clara: gostaria que as pessoas desenvolvedoras encontrem, em prioridade, as oportunidades nelas.

Assim ficou explicado como dois grupos, que querem se conhecer e colaborar, simplesmente não se encontram.

Ao fazer o diagnóstico do porquê da situação, ficou claro que a solução mais imediatamente acessível tem a ver com a informação das pessoas desenvolvedoras.

Devs, bora fazer parte desta história?

Leiam a seguir tudo o que precisam saber para dar um start na carreira com propósito!

Guia para devs, parte 1/2: entender o ecossistema de empresas de impacto

O que uma empresa de impacto socioambiental não necessariamente é

Primeiro, vale desmistificar e deixar claro o que uma empresa socioambiental não é necessariamente. A resposta é: não precisa ser uma ONG, nem uma pequena estrutura. Sem desmerecer — existem simplesmente muito mais opções de modelos de negócio e tamanhos para quem atua com impacto.

Empresa de impacto VS. ESG

Segundo, uma confusão comum tem a ver com os famosos ESGs (Ecological Social Governance). A sigla designa um conjunto de princípios ambientais, sociais e de governança.

Quando uma empresa respeita ESGs, permite geralmente ou mitigar impactos negativos produzidos por ela mesma, ou adicionar atividades consideradas periféricas que tenham um impacto positivo. Ou seja, em nenhum caso considera-se que a intenção de gerar impacto positivo é a razão principal de ser da empresa. Essa é a maior diferença entre uma empresa ESG e uma empresa de impacto, que nasce explicitamente para sanar um problema socioambiental preciso.

Para dar um exemplo, as companhias aéreas costumam propor que os usuários, ao comprar as passagens, participem de programas de compensação de carbono. Se trata de uma medida ESG interessante, porém, ainda não podemos considerar as companhias aéreas como empresas cuja preocupação principal seria a proteção do meio ambiente. O coração do trabalho delas segue sendo o transporte.

Resumindo, por mais que a popularidade atual das ESGs seja um sinal ótimo de um mercado e de investimentos mais conscientes, podemos afirmar que se trata apenas de um primeiro passo na direção do impacto socioambiental.

Definir as empresas de impacto

Agora que deixamos claro o que uma empresa de impacto socioambiental não é, vamos de vez arriscar uma definição do que ela é?

Infografia da aceleradora Quintessa, com os critérios de definição de empresas de impacto socioambiental.

Basicamente, uma empresa de impacto (também regularmente chamada de “negócio social”) é o casamento entre procura de sucesso financeiro e propósito socioambiental. Reconcilia um modelo de negócio viável com a missão principal de gerar um impacto positivo.

O slogan da Artemisia, aceleradora de negócios sociais, resume perfeitamente a intenção:

“Entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois!”

Analisando a perífrase “empresa com impacto socioambiental”, fica mais claro que se trata de:

  • Um negócio como qualquer outro, que procura escalabilidade (justamente via o uso da tecnologia) e rentabilidade financeira;
  • porém com a intencionalidade explicita de ter como atividade principal uma solução em adequação com pelo menos um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.
Os 17 ODSs da ONU

Os negócios socioambientais também se comprometem com o monitoramento do impacto gerado, ficando assim tangível. Isso é importante, já que diferencia as corporações que declaram ter impacto por puro efeito de moda ou estratégia de comunicação corporativa, com as que realmente nos interessam e efetivamente trabalham para entregar resultados que fazem a diferença.

Guia para devs, parte 2/2: mapeamento das empresas de impacto socioambiental

Agora que entendemos que é viável pensar uma carreira tecnológica com propósito socioambiental, onde encontrar as vagas nas empresas de impacto?

Criei os seguintes mapeamentos para que fique mais simples, como pessoa desenvolvedora, saber onde procurar.

O primeiro é brasileiro, o segundo internacional, para quem se interessar também em carreiras fora do país.

— Acesse os mapas com links clicáveis: clique aqui.

— Acesse os mapas com links clicáveis: clique aqui.

Os seguintes parágrafos servem de comentários para os mapas de ecossistema de impacto:

Vou começar essa seção com uma má notícia: no Brasil, ainda não existe formalmente plataforma de vagas especializadas no impacto, onde as empresas publicando oportunidades seriam pré selecionadas por ter impacto. Esse tipo de plataforma existe internacionalmente. (Inclusive, convido pessoas empreendedoras brasileiras a enxergarem a oportunidade de criar essa plataforma!). Vale destacar que ainda assim, como ponto de partida, encontrei dois sites brasileiros colaborativos onde vagas de impacto costumam aparecer, assim como o esforço da Quintessa de publicar vagas de impacto.

De qualquer jeito, não desanimem! Pois podemos contornar o problema: se encontrarmos nomes de empresas de impacto, fica fácil entrar no site delas, acompanhar as atualidades delas ou até entrar em contato com elas, e assim se conectar com as oportunidades de trabalhar juntos e juntas!

No meu mapa do ecossistema de empresas com impacto socioambiental, que seja nacional (brasileiro) ou internacional, entreguei todas as estratégias para encontrar esses nomes:

  • Plataformas-vitrine: plataformas cujo objetivo é listar as empresas de impacto, como é o caso da excelente Pipe.Social;
  • Aceleradoras: entidades especializadas em desenvolver negócios de impacto. Além de conferir o portfólio das empresas deles, recomendo acompanhar as newsletters (Artemisia por exemplo possui um mailing de vagas);
  • Investidores: atores que financiam negócios de impacto. Percorrer o portfólio deles é particularmente interessante, já que sugere uma saúde financeira das startups listadas. Para um mapeamento ainda mais amplo, recomendo consultar os agrupamentos desses investidores, que seja via o coletivo de investidores sociais GIFE ou o motor de busca Guia 2.5;
  • Destaques: existem selos, prêmios e imprensa que focam no impacto;
  • Eventos: alguns são especializados no casamento entre tecnologia e impacto, outros são grandes eventos de tecnologia onde sempre existe alguma trilha focada sobre impacto;
  • Relatórios por tipo de impacto: para quem quiser se dedicar especificamente a um tipo de impacto social ou ambiental, como igualdade de gêneros, saúde, educação, meio ambiente ou muito mais, vale pesquisar mapeamentos de empresas de cada uma dessas categorias.

Um recado crucial e final que quero deixar é sobre as comunidades de impacto: ao se familiarizar com o ecossistema mapeado acima, você vai encontrar cada vez mais facilmente as empresas e oportunidades. Por isso, recomendo dar esse passo inicial, amplamente facilitado pelos mapas publicados acima.

Também lembre de integrar cada pesquisa nas suas redes sociais, para que os algoritmos te ajudem a encontrar cada vez mais negócios sociais!

Conclusões e convites para ambas partes

Pessoas envolvidas com tecnologia, meu convite é esse: lembrem o quão aquecido é o mercado para recrutar nossas competências. Portanto, temos poder da escolha, sinônimo da liberdade de nos envolver com projetos de impacto! Na minha experiência, esse envolvimento tem consequências positivas tanto sobre o mundo, quanto sobre nossa própria motivação e felicidade diárias.

Pessoas envolvidas com empresas de impacto socioambiental: por favor participem comigo da evolução constante do mapa do ecossistema, para que as pessoas desenvolvedoras sigam encontrando vocês. Podem também comentar o presente artigo para compartilhar opiniões, sugestões e necessidades.

Agradeço a atenção e espero ter ajudado!

Juliette

FONTES E RECURSOS ADICIONAIS

Slides — As fontes usadas para montar o presente conteúdo estão listadas no final dos meus slides das palestras relacionadas.

Gravação — Encontrem também a versão audiovisual mais recente do presente conteúdo.

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Juliette Beaudet

Apaixonada por empreendedorismo tecnológico de impacto | Francesa residente no Brasil.